O que diz a ciência sobre cetamina para depressão resistente? 

Nos últimos anos, a cetamina emergiu como uma intervenção poderosa para o tratamento da depressão resistente (TRD) e da ideação suicida. Atualmente, existem centenas de estudos sobre cetamina para depressão, incluindo pelo menos 14 meta-análises – tipo de estudo que representa maior grau de evidência. Este post resume as evidências científicas que apoiam seu uso, avalia preocupações sobre segurança e oferece orientações práticas para médicos interessados em integrar terapias com cetamina em suas práticas. As informações se baseiam em artigos recentes de três das mais relevantes revistas científicas da área: The Lancet (eClinical Medicine), JAMA Psychiatry e American Journal of Psychiatry. No final do texto você pode acessar os links para os estudos originais completos.

Por que a Cetamina? Uma Visão Geral

O transtorno depressivo maior (TDM) afeta milhões de pessoas em todo o mundo, sendo que muitas não respondem a antidepressivos tradicionais, como os ISRS, ou à terapia cognitivo-comportamental  (McIntyre, 2021). Esse grupo — conhecido como depressão resistente ao tratamento (TRD) — enfrenta desafios significativos, incluindo maior risco de suicídio. Os tratamentos tradicionais geralmente demoram semanas para mostrar efeitos. A cetamina, um antagonista dos receptores NMDA, demonstrou a capacidade de aliviar rapidamente sintomas depressivos e reduzir a ideação suicida (Sanacora, 2017) (McIntyre, 2021). 

O FDA (agência reguladora de medicamentos dos EUA) aprovou o uso de escetamina intranasal (um derivado da cetamina) para TRD em 2019, sendo seguido pela Anvisa em 2020. Mais recentemente, a escetamina também foi aprovada para depressão maior com ideação suicida aguda (McIntyre, 2021).  No Brasil, o CFM também publicou parecer orientando a indicação off label da cetamina por via intravenosa para depressão resistente (saiba mais sobre o parecer do CFM sobre cetamina intravenosa).

Mecanismo de Ação: Como a Cetamina Funciona?** 

O efeito antidepressivo da cetamina ainda não é totalmente compreendido, como o dos antidepressivos convencionais, mas estudos indicam que é fundamentado em sua modulação do glutamato, o principal neurotransmissor excitatório do cérebro. Ao bloquear os receptores NMDA em interneurônios inibitórios, a cetamina desencadeia uma liberação de glutamato, ativando os receptores AMPA e promovendo a plasticidade sináptica e a atividade do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) (McIntyre, 2021). Essa plasticidade ajuda a restaurar funções em áreas cerebrais prejudicadas pela depressão, como o córtex cingulado anterior.

Curiosamente, a cetamina também interage com receptores opioides, embora o papel exato dessa interação na modulação do humor ainda esteja sendo investigado (McIntyre, 2021). 

Eficácia Clínica: Um Resumo das Evidências

Os benefícios da cetamina vão além dos relatos anedóticos. Uma meta-análise de 2023, que incluiu 49 ensaios clínicos randomizados com 3.299 participantes, confirmou a eficácia da cetamina racêmica e da escetamina na redução dos sintomas depressivos. Doses mais altas foram associadas a melhorias mais pronunciadas e duradouras  (Nikolin, 2023). 

1. Resposta Inicial: Os pacientes frequentemente apresentam melhora no humor poucas horas após a primeira infusão. Os ensaios relataram diferenças médias padronizadas nos escores de depressão, com a cetamina racêmica superando a escetamina em alguns estudos  (Nikolin, 2023). 

2. Efeitos Sustentados: Os benefícios do tratamento continuado foram mais evidentes naqueles que receberam altas doses de cetamina racêmica, com efeitos significativos persistindo por até quatro semanas após o tratamento. Os efeitos da escetamina, embora positivos, mostraram maior variabilidade (Nikolin, 2023).

3. Efeitos Anti-Suicidas: A cetamina demonstrou propriedades anti-suicidas rápidas. Estudos sugerem que até mesmo uma única infusão pode reduzir a ideação suicida em 24 horas. Embora a escetamina tenha sido aprovada para ideação suicida, ambas as formas de cetamina demonstraram eficácia em cenários clínicos (McIntyre, 2021). 

Segurança e Considerações Práticas

A administração de cetamina exige planejamento cuidadoso. Embora geralmente segura sob supervisão clínica, a droga pode elevar a pressão arterial e causar efeitos dissociativos ou psicotomiméticos transitórios (Sanacora, 2017). No Brasil, o CFM recomenda que a administração da cetamina seja realizada por um anestesista, como é feito na Clínica Navega.

– Efeitos Colaterais: Entre os efeitos colaterais mais comuns estão tontura, dissociação e aumento da frequência cardíaca. Embora geralmente leves, esses efeitos exigem monitoramento, especialmente em pacientes com riscos cardiovasculares (McIntyre, 2021). 

– Configuração e Supervisão: Especialistas recomendam que a administração de cetamina ocorra em instalações equipadas para lidar com emergências potenciais. Os médicos precisam monitorar as respostas cardiovasculares e comportamentais durante e após o tratamento para garantir a segurança do paciente (Sanacora, 2017). 

Conclusão

Embora a introdução da cetamina e da escetamina ofereça uma nova esperança para indivíduos com TRD e ideação suicida, ainda existem desafios. Os dados de segurança a longo prazo são limitados, e a frequência ideal e os esquemas de dosagem ainda estão sob investigação. Além disso, a seleção cuidadosa dos pacientes e o treinamento profissional adequado são essenciais para garantir uma administração segura e eficaz (Sanacora, 2017) (McIntyre, 2021). 

Para os clínicos, a crescente base de evidências torna a cetamina uma opção cada vez mais viável para tratar depressão resistente ao tratamento, inclusive no Rio de Janeiro, onde o serviço de infusão de cetamina intravenosa já está disponível. No entanto, a decisão de integrá-la à prática deve equilibrar os benefícios rápidos com os riscos e custos potenciais.

Referências

1. Nikolin, S., et al. Ketamine for the Treatment of Major Depression: A Systematic Review and Meta-analysis. The Lancet, eClinicalMedicine, 2023 (Nikolin, 2023).

2. Sanacora, G., et al. A Consensus Statement on Ketamine in Mood Disorders. JAMA Psychiatry, 2017 (Sanacora, 2017). 

3. McIntyre, R. S., et al. Synthesizing the Evidence for Ketamine and Esketamine in Treatment-Resistant Depression. American Journal of Psychiatry, 2021 (McIntyre, 2021). 

Ver também:

Médicos podem prescrever cetamina intravenosa como terapia única....

Nos últimos anos, a cetamina emergiu como uma intervenção poderosa para o tratamento da depressão...

Médicos podem prescrever cetamina intravenosa como indicação off label....
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